Surpresa de aniversário
Era oito de dezembro. Ele fazia aniversário naquele dia. Estava completando dez anos. Alguns dias antes ele tinha sido convidado para a festa de um vizinho, que completará a mesma idade. Os números cheios sempre têm um poder especial na completitude da vida. Os aniversários são especiais aos 10, 20, 30, 40, 50 anos. É uma impressão ilusória de que ali, com o fechamento da década nasce um recomeço. Ele acordou aquela manhã com esse pensamento.
Durante a noite ele sonhou com a sua festa de aniversário. Ele sabia que sua família não tinha condições de fazer uma grande festa, mas desde que se lembrava, nesta data sempre houve alguma coisa para marcar os seus anos. Geralmente um almoço com alguns familiares, uma torta durante a tarde e nos anos em que as coisas estavam melhores até alguns pasteis, daqueles pequenos, com refrigerante. Houveram algumas vezes em que ele pode até convidar uns amigos e teve até coca-cola. Em outras vezes foi mais magro, mas ele sempre teve pelo menos uma lembrança de que estava de aniversário.
A festa do amigo, que ele esteve há alguns dias, foi uma surpresa. O garoto achou que todo mundo tinha esquecido, estava aborrecido em casa e quando viu o pai entrou com o bolo com velinhas acessa em cima cantando parabéns acompanhados de todos os guris da vizinhança. Ele era um dos guris. A mulher da padaria entrou logo atrás com outros quitutes e a festa foi grande.
Naquela manhã foi o primeiro a acordar. Levantou, correu até o banheiro e tomou um banho e voltou para o quarto, que dividia com um irmão mais novo, e vestiu sua melhor roupa. Era uma camisa azul, com o símbolo do super-homem desenhado de branco na frente. As calças era um abrigo de moletom azul com uma lista larga de cor branca em uma das pernas e o tênis um ki-chute, que servia para tudo, desde ir na escola até treinar na escolinha de futebol.
O pai sempre saia com os primeiros raios de sol. Quando o pai acordou ele já estava sentado no sofá lendo um gibi do X-Man que ele já tinha lido um milhão de vezes. O pai não disse nada, ele nunca dizia nada. Foi para cozinha, fez alguma coisa e depois saiu sem nem ao menos dizer feliz aniversário, mas ele estava acostumado, era assim mesmo, o pai nunca foi de demonstrar muito carinho.
A mãe e os irmãos acordaram bem mais tarde. Um dos irmãos mais jovem tinha feito um cartão de feliz aniversário. A mãe, com lágrimas nos olhos, lhe beijou o rosto. Aquela manhã passou muito devagar.
Ele viu a mãe indo para tanque e começar a lavar roupa. Não notou nada que pudesse demonstrar que ocorreria uma festa e foi então que na sua cabeça de criança, ele passou a acreditar que teria também uma surpresa.
A hora do almoço chegou e a mãe seguiu lavando roupas. Ele riu por dentro pesando: você acham que enganam. Ele ficou aguardando o pai chegar com os amigos e com o bolo com as velinhas acessas, mas ele estava demorando.
Quando viu um dos irmãos mais novos reclamando de fome para mãe e essa chorando enquanto esfregava as roupas que ela já tinha lavado e estava lavando novamente, foi que ele se deu conta de que não teria nenhuma surpresa.
Naquele dia ele não se alimentou. Durante a data de seu aniversário de dez anos, a única coisa que ele comeu foi limão com sal, era só o que tinha para enganar a fome. O pai não voltou para casa naquela noite. Ele dormiu e sonhou com a festa de aniversário do amigo.
Na manhã seguinte, quando ele acordou ele cumpriu o mesmo roteiro. Tomou banho, colocou a melhor roupa calçou seu Ki-Chute, mas não pegou o gibi para ler e nem se preocupou em ver se o pai havia voltado ou não. Suas pernas finas se moveram rápidas e ele bateu na porta da casa de um vizinho que trabalhava como faz tudo e pediu trabalho. O homem riu, mas diante da seriedade do menino, o contratou como ajudante. O senhor, de bom coração, sabia que ele pouco podia contribuir, mas não negou trabalho a alguém tão determinado.
O menino tinha percebido que ele não era como os outros e que para ele as surpresas seriam diferentes.